terça-feira, 28 de junho de 2011

A valorização da cultura local na proclamação do evangelho

Por Jurgen Souza

Qualquer cristão que compreendeu e experimentou verdadeiramente o poder transformador do evangelho acredita, de fato, que essa proposta de vida deve ser compartilhada com outros povos mundo afora. Algumas pessoas, porém, são impactadas de tal forma por essa mensagem que se entregam, elas próprias, à incumbência de realizar a missão de proclamar o evangelho em outros lugares. Todavia, o processo de entrega a essa missão envolve questões que nem sempre são consideradas no momento em que se toma uma decisão como essa. Nessa perspectiva, aspectos como a valorização da cultura local e o necessário envolvimento do missionário com a comunidade a quem se dirige a mensagem do evangelho carecem ser levados em consideração por alguém que deseja se entregar à obra missionária.
Quando alguém se prepõe a compartilhar a mensagem do evangelho para indivíduos de uma cultura diferente da sua, o primeiro cuidado necessário é realizar um estudo prévio dos aspectos culturais que estarão envolvidos nessa tarefa, levando em conta o fato de que nenhuma cultura é superior à outra. Um dos problemas mais frequentes nesse tipo de situação reside justamente no fato de que o próprio conceito de missão que figura no ideário coletivo dos missionários considera, na maioria dos casos, a cultura do evangelizador superior à cultura do povo a quem se pretende evangelizar, conduzindo, consequentemente, a uma prática missionária que costuma hostilizar a cultura local, associando-a ao demônio. Não é à toa, portanto, que muitos países oferecem resistência à pregação do evangelho, inclusive proibindo a entrada e a permanência de missionários em seu território.
O respeito ao outro e à sua cultura – ainda que haja grandes diferenças em comparação com a cultura da qual o missionário é oriundo – é imprescindível para a inserção pacífica e transformadora da mensagem cristã dentro de uma sociedade que comunga de outra realidade religiosa. Por isso, um cuidado necessário a qualquer empreitada missionária transcultural é a busca por uma ação missionária que proclame o evangelho sem levar os indivíduos que são alvo de tal proclamação a perderem sua identidade cultural, uma vez que as boas novas do evangelho não são propriedade de nenhuma cultura nem podem ter cultura alguma como modelo. A verdadeira mensagem do evangelho transcende as convenções sócio-culturais para ir ao encontro de uma humanidade sedenta de homens e mulheres que vivenciem cotidianamente o amor de Deus, no sentido mais amplo que esse termo pode expressar.
No momento em que esses cuidados básicos são negligenciados, o missionário coloca em risco a missão que se propôs desempenhar. Além da já mencionada resistência à pregação desse evangelho desrespeitoso, os poucos frutos da ação missionária não estarão alicerçados na essência da mensagem cristã e sim na estrutura sócio-cultural que lhes foi imposta, não sendo, portanto, frutos duradouros. Vários indivíduos que acataram a ideia de que deveriam renegar sua cultura – classificada pelos missionários como demoníaca – acabam retornando às suas origens e abandonando os ensinamentos acerca do evangelho de Cristo. Na raiz do fracasso de muitas missões, então, está a não-valorização da cultura e do modo de vida local por parte de quem desenvolve a missão, gerando, assim, a falta de envolvimento do missionário com a comunidade para a qual a mensagem do cristianismo se dirige. Esse distanciamento do missionário com relação à vida cotidiana do povo que se pretende evangelizar acaba se traduzindo, na prática, em uma indiferença à sua pregação. Quando a missão não se identifica com a realidade sócio-cultural da população a quem ela se destina e não faz diferença na vida real das pessoas – auxiliando-as a enfrentar e a resolver os dilemas do dia a dia –, seu poder agregador é minimizado e sua influência transformadora é nula.
A missão de pregar a mensagem cristã não pode estar dissociada do envolvimento com o outro. A proclamação de uma nova vida, anunciada na pregação do próprio Jesus Cristo, estava centrada na sua identificação com aqueles para os quais sua palavra se dirigia, envolvendo-se com eles em suas mazelas e ajudando-os a saná-las. O sociólogo Norbert Elias conceitua envolvimento como um estado da mente no qual somos levados a nos aproximar do outro e a nos identificar com a sua condição social; e o distanciamento, ao contrário, é um estado da mente que nos conduz ao individualismo e à neutralização do outro, enxergando-o apenas como parte do cenário. Partindo dessa premissa, qualquer ação missionária séria e compromissada, de fato, com os ensinamentos de Cristo deve considerar o envolvimento com as pessoas que são alvo da proclamação do evangelho como a base da missão.
É impossível haver envolvimento quando o missionário considera a forma de o outro ver e viver a vida como demoníaca, preferindo afastar-se daqueles a quem julga carentes da libertação que só o seu Deus pode realizar. Faz-se necessário lembrar, porém, que o processo genuíno de libertação deve envolver igualmente quem proclama a mensagem do Cristo e quem a recebe, e acontece, de fato, apenas quando missionário e comunidade compartilham tal mensagem na prática do cotidiano, afinal, como afirma Paulo Freire – educador e crítico da educação brasileira, de cujas   ideias  surgiu  a  base  conceitual   da   chamada teologia da libertação –, “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. 

Um comentário:

  1. Oi Jurgen
    Estou lendo todos seus textos e achando maravilhosos, mas acredito que eu sou a pessoa mais suspeita para elogiar você, depois da nossa querida mamãe, é claro....rsssss
    Falando especialmente deste, não diria apenas valorização, como também respeito. Você é a prova viva de tudo que ai está escrito, e eu sou testemunha: Iniciou sua vida no evangelho ainda criança, em uma denominação diferente da de todos da família (na época), mas manteve firme no seu propósito, sempre respeitando a opinião de todos e os valores da família, mas buscando conquistar cada um da forma mais sutil que já vi no mundo, e essa missão ainda prevalece, eu sei.
    O orgulho que tenho de você não é atoa, sempre acreditei na sua dedicação como missionário, aliás, eu acho que você já nasceu missionário. Te amo muito. Juvenide 29/06/2011

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