Por
Jurgen Souza
Mesmo que a maioria dos cristãos,
especialmente os do segmento evangélico, afirmem que o foco desse
período que nos acostumamos a chamar de semana
santa não deve ser a morte e sim a ressurreição de Jesus, relembrar sua
crucificação nos inspira a refletir, ainda nos dias de hoje, sobre as
implicações de sua morte na continuidade da missão para a qual ele convocou
seus discípulos. Embora tivessem sido advertidos diversas vezes pelo próprio
Jesus a respeito de sua morte, não se pode negar que os discípulos foram
acometidos, nos primeiros momentos, por um desânimo que comprometia os rumos da
proclamação da mensagem transmitida pelo mestre. Engana-se, porém, quem imagina
que, no limiar século XXI, os discípulos de Jesus não se sintam, vez ou outra,
desnorteados em relação à missão, ainda que por motivos diferentes dos de
outrora. Em virtude dessa realidade, a reflexão que aqui se apresenta pretende,
a partir da experiência vivenciada por Pedro, pensar a respeito de alguns
aspectos que precisam ser considerados nesse nada fácil desafio de dar
continuidade à missão.
Muita gente parece perder o rumo no
decorrer da caminhada como discípulo porque não compreende com clareza a missão
para a qual foi chamado, fazendo-se necessário, antes de qualquer coisa, saber
exatamente o motivo pelo qual Jesus comissionou seus discípulos. Ao contrário
dos religiosos da época, Jesus pretendia que seus discípulos levassem uma
mensagem que, de fato, transformasse a vida das pessoas (João 10:10), por meio
de palavras e principalmente de ações. Observe que, quando Pedro e seus amigos
foram chamados por Jesus para largar as redes e tornarem-se “pescadores de
homens” (Marcos 1:16-20), estavam sendo convidados, na verdade, para se disporem
como elementos de transformação da realidade social na qual estavam inseridos,
procurando vivenciar, na relação com quaisquer pessoas à sua volta, os ensinamentos
de amor e respeito aos outros transmitidos pelo mestre (Mateus 5:43-48 e João
13:34-35). Todavia, para a realização de uma missão com essa profundidade, os
discípulos precisaram de um período considerável de aprendizado ao lado do
mestre (João 15:15 e João 17:6-8), já que, numa sociedade por demais religiosa
como aquela, a vivência dessa valorização do ser humano por parte de quem
realiza a missão precisaria mesmo ser aprendida.
É importante também ter em mente que a
missão para a qual os discípulos foram comissionados precisaria ir além do
período em que Jesus estava fisicamente com eles, já que tomava por base princípios
que transcendiam a temporalidade para se perpetuar como uma forma de viver a
vida e se relacionar com as pessoas à sua volta. Apesar de terem sido alertados
por Jesus a respeito da sua morte (Marcos 8:31, Lucas 9: 21-22 e João 13:33) e
da necessidade de que a missão tivesse continuidade (João 15:16), os discípulos
parecem não ter compreendido tão claramente o aspecto atemporal da missão, a
ponto de abandoná-la, retornando, pouco depois de passado o sofrimento pela
morte e o espanto pela ressurreição, às atividades que desenvolviam antes de
terem sido chamados pelo mestre (João 21:1-3). Estavam tão desnorteados que se
esqueceram de que Jesus prometera que não os abandonaria (João 14:18) e que,
para conduzi-los nessa nova etapa da missão, enviaria o Espírito Santo (João
14:25-26), entretanto nada disso parecia fazer mais sentido e, tomados pelo
desânimo e pelo comodismo, preferiram viver como se não tivessem aprendido
coisa alguma durante o período em que conviveram com Jesus.
Para que a missão à qual Jesus comissionou
seus discípulos possa ter continuidade, é imprescindível que, mesmo tendo
passado por momentos de desânimo e comodismo, eles estejam sensíveis ao chamado
do mestre para retornarem à missão. Pedro e seus amigos, desnorteados depois da
morte de Jesus, abdicaram da missão para a qual o mestre os havia chamado e
voltaram a ser meros pescadores, até que, depois de uma pescaria mal sucedida
no mar de Tiberíades (João 21:3b), aqueles homens experientes no ofício da
pesca tiveram a oportunidade de perceber que, se a missão precisava ser
continuada e eles haviam sido escolhidos para isso, não adiantaria, então,
volver à pesca (João 21:4-13). Esse novo encontro com Jesus oportuniza, no
entanto, a possibilidade de um retorno à missão, verbalizada a Pedro (João
21:15-17) – que parecia exercer alguma liderança sobre os demais – e estendida
a todos os outros discípulos. Pedro, ainda que temeroso, demonstra
sensibilidade ao chamado de retorno à missão, mas Jesus o orienta a respeito de
algumas prerrogativas para que a continuidade da missão seja bem sucedida. Seria
necessário ao discípulo, em primeiro lugar, estar disposto a mudar
definitivamente sua trajetória de vida por amor aos ensinamentos de Jesus (João
21:15a), assumindo-se de uma vez por todas como “pescador de homens”. Além
disso, faz-se necessário que ele se posicione como um cuidador sábio daqueles
serão atingidos com a mensagem de Jesus, procurando respeitar os diferentes
processos de amadurecimento de cada um no transcorrer da missão (João 21:15b-17).
Portanto, ainda que estejamos
desanimados, acomodados ou mesmo desnorteados no desenvolvimento da missão para
a qual Jesus nos comissionou, ele próprio nos chama de volta à proclamação, com
ações e palavras, de uma mensagem capaz de transformar a vida das pessoas ao
nosso redor, auxiliando na modificação da sociedade na qual estamos inseridos. À
medida que Jesus nos reintegra como discípulos no projeto de continuidade da
missão, ele vai, então, nos orientando a respeito daquilo que precisamos
repensar em nós para que isso de fato ocorra. Cabe, porém, a nós, como seus discípulos e discípulas, estarmos sensíveis às suas orientações e nos posicionarmos verdadeiramente como
elementos de transformação da realidade à nossa volta, não agindo tão somente
como religiosos.