quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Não me envergonho do evangelho, mas morro de vergonha dos evangélicos

Por Jurgen Souza

Na sua origem grega, a palavra ευαγγέλιον significava "boa notícia", "boa mensagem" ou "boa nova" e foi usada no texto bíblico para fazer referência aos ensinamentos trazidos por Jesus, considerados uma boa notícia ao povo israelita, o qual esperava há tanto tempo pelo messias que traria a salvação da qual tanto os israelitas necessitavam. Para muito além disso, a boa notícia era que Deus se importava com a humanidade e desejava relacionar-se com ela, a ponto de tornar-se humano e habitar entre nós. Todavia, as vivências da sociedade contemporânea têm propiciado distorções graves e inadmissíveis com relação ao que é, de fato, evangelho e, como já aconteceu em outros momentos da história, ações cruéis e desrespeitosas têm sido propagadas em nome de Deus, sob a suposta alegação de se estar pregando o evangelho. Foi exatamente isso que aconteceu em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, onde uma igreja evangélica espalhou outdoor's com mensagens bíblicas selecionadas para ofender os homossexuais, às vésperas da 7ª Parada do Orgulho Gay no município.
O pastor da igreja responsável pelos cinco outdoor's espalhados pela cidade, um deles inclusive no trajeto em que passaria a passeata organizada pelos homossexuais, assegurou que não via como provocação ou ofensa as mensagens veiculadas. Não foi o que entendeu a justiça, que ordenou a imediata retirada das mensagens e ameaçou multar a igreja em R$ 10 mil, caso a ordem não fosse cumprida. Contudo, ainda que não houvesse ofensa nas mensagens, não parece nenhum pouco respeitoso e nem mesmo prudente propagar tais ideias em meio a uma passeata que reuniria milhares de pessoas que não compartilham do mesmo pensamento. Mesmo que fosse com a melhor das intenções, uma ação como essa poderia desencadear uma retaliação até mesmo violenta, com a invasão ou a depredação de igrejas evangélicas em geral por parte dos grupos que se sentissem ofendidos.
O que é mais intrigante, porém, nesse ato de irresponsabilidade cometido por essa igreja é que quase todos os dias alguns dos líderes evangélicos mais conhecidos no país bradam aos quatro cantos que as igrejas evangélicas são alvo de perseguição e desrespeito, alegando inclusive que, se o Estado é laico, seria imprescindível respeitar a diversidade religiosa. Contraditoriamente, no entanto, é justamente do segmento evangélico que vêm as mais gritantes ações de desrespeito à diversidade e aos direitos da liberdade de expressão. Aliás, foi justamente a essa liberdade de expressão que o pastor se apegou para se justificar. Segundo ele, os evangélicos estariam apenas “aproveitando a oportunidade que eles estão divulgando a maneira de viver deles para expressar o que Deus diz a respeito”, mas não há dúvida de que um ato como esse pode ser classificado minimamente como de mau gosto e, se for levado mais a sério, configura um tremendo desrespeito ao direito de o outro manifestar sua opinião, já que, como bem disse uma das responsáveis pelo evento, “Todos os seres humanos têm direito a expressar o que quiserem, mas têm o ano todo para fazer isso. Fazer na semana da diversidade é uma maneira de ataque, não tinha essa necessidade.
O pastor da igreja responsável pelos outdoor's ainda afirmou que os evangélicos amam “essas pessoas (se referindo aos homossexuais), mas a forma que elas vivem está contrária àquilo que Deus diz”. Diante de tal afirmação, cabe questionar: por que não fazer, então, um outdoor falando desse amor? Talvez quando os evangélicos – e não falo isso me excluindo desse grupo – proclamarem mais o amor de Deus ao mundo por meio de suas ações, sendo usados como instrumento da graça redentora que alcança o outro sem precisar desrespeitá-lo, quem sabe o evangelho não seja uma “boa notícia” para essa humanidade já tão atolada em más notícias?