sábado, 7 de abril de 2012

O nada fácil desafio de continuar vivendo a missão


Por Jurgen Souza

         Mesmo que a maioria dos cristãos, especialmente os do segmento evangélico, afirmem que o foco desse período que nos acostumamos a chamar de semana santa não deve ser a morte e sim a ressurreição de Jesus, relembrar sua crucificação nos inspira a refletir, ainda nos dias de hoje, sobre as implicações de sua morte na continuidade da missão para a qual ele convocou seus discípulos. Embora tivessem sido advertidos diversas vezes pelo próprio Jesus a respeito de sua morte, não se pode negar que os discípulos foram acometidos, nos primeiros momentos, por um desânimo que comprometia os rumos da proclamação da mensagem transmitida pelo mestre. Engana-se, porém, quem imagina que, no limiar século XXI, os discípulos de Jesus não se sintam, vez ou outra, desnorteados em relação à missão, ainda que por motivos diferentes dos de outrora. Em virtude dessa realidade, a reflexão que aqui se apresenta pretende, a partir da experiência vivenciada por Pedro, pensar a respeito de alguns aspectos que precisam ser considerados nesse nada fácil desafio de dar continuidade à missão.
         Muita gente parece perder o rumo no decorrer da caminhada como discípulo porque não compreende com clareza a missão para a qual foi chamado, fazendo-se necessário, antes de qualquer coisa, saber exatamente o motivo pelo qual Jesus comissionou seus discípulos. Ao contrário dos religiosos da época, Jesus pretendia que seus discípulos levassem uma mensagem que, de fato, transformasse a vida das pessoas (João 10:10), por meio de palavras e principalmente de ações. Observe que, quando Pedro e seus amigos foram chamados por Jesus para largar as redes e tornarem-se “pescadores de homens” (Marcos 1:16-20), estavam sendo convidados, na verdade, para se disporem como elementos de transformação da realidade social na qual estavam inseridos, procurando vivenciar, na relação com quaisquer pessoas à sua volta, os ensinamentos de amor e respeito aos outros transmitidos pelo mestre (Mateus 5:43-48 e João 13:34-35). Todavia, para a realização de uma missão com essa profundidade, os discípulos precisaram de um período considerável de aprendizado ao lado do mestre (João 15:15 e João 17:6-8), já que, numa sociedade por demais religiosa como aquela, a vivência dessa valorização do ser humano por parte de quem realiza a missão precisaria mesmo ser aprendida.
         É importante também ter em mente que a missão para a qual os discípulos foram comissionados precisaria ir além do período em que Jesus estava fisicamente com eles, já que tomava por base princípios que transcendiam a temporalidade para se perpetuar como uma forma de viver a vida e se relacionar com as pessoas à sua volta. Apesar de terem sido alertados por Jesus a respeito da sua morte (Marcos 8:31, Lucas 9: 21-22 e João 13:33) e da necessidade de que a missão tivesse continuidade (João 15:16), os discípulos parecem não ter compreendido tão claramente o aspecto atemporal da missão, a ponto de abandoná-la, retornando, pouco depois de passado o sofrimento pela morte e o espanto pela ressurreição, às atividades que desenvolviam antes de terem sido chamados pelo mestre (João 21:1-3). Estavam tão desnorteados que se esqueceram de que Jesus prometera que não os abandonaria (João 14:18) e que, para conduzi-los nessa nova etapa da missão, enviaria o Espírito Santo (João 14:25-26), entretanto nada disso parecia fazer mais sentido e, tomados pelo desânimo e pelo comodismo, preferiram viver como se não tivessem aprendido coisa alguma durante o período em que conviveram com Jesus.
         Para que a missão à qual Jesus comissionou seus discípulos possa ter continuidade, é imprescindível que, mesmo tendo passado por momentos de desânimo e comodismo, eles estejam sensíveis ao chamado do mestre para retornarem à missão. Pedro e seus amigos, desnorteados depois da morte de Jesus, abdicaram da missão para a qual o mestre os havia chamado e voltaram a ser meros pescadores, até que, depois de uma pescaria mal sucedida no mar de Tiberíades (João 21:3b), aqueles homens experientes no ofício da pesca tiveram a oportunidade de perceber que, se a missão precisava ser continuada e eles haviam sido escolhidos para isso, não adiantaria, então, volver à pesca (João 21:4-13). Esse novo encontro com Jesus oportuniza, no entanto, a possibilidade de um retorno à missão, verbalizada a Pedro (João 21:15-17) – que parecia exercer alguma liderança sobre os demais – e estendida a todos os outros discípulos. Pedro, ainda que temeroso, demonstra sensibilidade ao chamado de retorno à missão, mas Jesus o orienta a respeito de algumas prerrogativas para que a continuidade da missão seja bem sucedida. Seria necessário ao discípulo, em primeiro lugar, estar disposto a mudar definitivamente sua trajetória de vida por amor aos ensinamentos de Jesus (João 21:15a), assumindo-se de uma vez por todas como “pescador de homens”. Além disso, faz-se necessário que ele se posicione como um cuidador sábio daqueles serão atingidos com a mensagem de Jesus, procurando respeitar os diferentes processos de amadurecimento de cada um no transcorrer da missão (João 21:15b-17).
         Portanto, ainda que estejamos desanimados, acomodados ou mesmo desnorteados no desenvolvimento da missão para a qual Jesus nos comissionou, ele próprio nos chama de volta à proclamação, com ações e palavras, de uma mensagem capaz de transformar a vida das pessoas ao nosso redor, auxiliando na modificação da sociedade na qual estamos inseridos. À medida que Jesus nos reintegra como discípulos no projeto de continuidade da missão, ele vai, então, nos orientando a respeito daquilo que precisamos repensar em nós para que isso de fato ocorra. Cabe, porém, a nós, como seus discípulos e discípulas, estarmos sensíveis às suas orientações e nos posicionarmos verdadeiramente como elementos de transformação da realidade à nossa volta, não agindo tão somente como religiosos.