Por Jurgen Souza
Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um
e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a
Deus e a Mamom.
(Mateus 6:24)
Na tradição cultural do povo judeu, de quem o cristianismo herdou as
bases religiosas, o termo Mamom (uma transliteração da palavra hebraica que significaria
dinheiro ou riqueza) faz referência a uma divindade personificada nos bens
materiais. A mensagem trazida por Jesus e que deveria ser norteadora da vivência
religiosa do cristianismo adverte claramente que quem é controlado pelo desejo
de possuir, numa evidente adoração a Mamom, não pode jamais ser considerado um
servo de Deus. Todavia, na contramão dos ensinamentos de Cristo, muitas religiões
cristãs da sociedade contemporânea, especialmente as do segmento evangélico, têm
assumido posturas ideológicas legitimadoras do neoliberalismo econômico, transformando
a fé em mercadoria e fazendo de Mamom o seu verdadeiro deus.
Ao contrário, porém, do
que se pode imaginar, essa relação entre o protestantismo e o capitalismo não é
recente, mas remonta aos primórdios do movimento protestante, o qual sempre
defendeu que uma sociedade que refletisse a glória de Deus estaria diretamente
relacionada à dedicação incondicional ao trabalho e à busca pela aquisição de
bens. Segundo Max Weber, o espírito capitalista se fortaleceu e se propagou
rapidamente amparado nesse pensamento protestante, o qual justificaria a busca
desenfreada desse novo grupo de cristãos pela lucratividade e pelo acúmulo de bens,
já que o não agir dessa maneira implicaria em desagradar aos planos do próprio
Deus. Embora, porém, o capitalismo
tenha se constituído a partir da herança da ideologia protestante e das
relações sociais estabelecidas por ela, a própria religião acabou se tornando
uma mercadoria e servindo aos interesses das elites socioeconômicas, permitindo
compreender que a salvação do indivíduo estaria condicionada ao trabalho e à
riqueza criada por ele. Karl Marx afirma que esse processo de mercadologização
da religião ocorre quando a força de trabalho do indivíduo e a riqueza que ele
pode produzir passam a ser exigidas como requisitos para adquirir a salvação
oferecida através religião.
Ainda que esse processo de mercadologização da
religião por parte do segmento evangélico tenha mesmo raízes históricas,
certamente foi na sociedade contemporânea que a transformação da vivência religiosa em mercadoria do
sistema capitalista acabou ganhando impulso, já que as religiões ditas
protestantes, especialmente as pentecostais e neopentecostais, passaram a assumir
posturas ideológicas cada vez mais legitimadoras do neoliberalismo econômico. Ao
relacionar a vivência religiosa bem sucedida à realização das aspirações
materiais, através da chamada “teologia da prosperidade”, muitas igrejas
evangélicas acabam transmitindo a ideia de que, assim como numa relação
contratual qualquer, a pessoa que assume o compromisso financeiro por meio dos
dízimos e das ofertas pode exigir que Deus a abençoe com aquilo que ela deseja.
De acordo com Pierre Bourdieu, uma nova vivência religiosa surge, portanto,
nesses tempos pós-modernos, tornando a lógica interna da economia de mercado visível
no interior do campo religioso e transformando a relação entre fiéis e igrejas
numa relação clientelista, alimentada por uma variedade de produtos e serviços
atraentes aos milhões de consumidores da fé que anseiam pela tão propagada
ascensão financeira instantânea.
Esse nítido retorno à compra de indulgências, princípio herético veementemente
combatido por Lutero nos primórdios do movimento protestante, tem agora o auxílio
das estratégias de marketing típicas da mídia televisiva e, com tal veiculação
rápida e exponencial, o discurso religioso impregnado de capitalismo tem se
tornado uma poderosa ferramenta de dominação ideológica, fazendo com que uma
multidão de pessoas, alienada por uma vivência religiosa desprovida de qualquer
senso crítico, deixe-se dominar pelos líderes religiosos e pelas instituições
eclesiásticas que assumem tal postura. Os testemunhos emocionados transmitidos
pela televisão mostram ao público geral os consumidores satisfeitos com os
produtos adquiridos, aguçando outros clientes em potencial com as mais variadas
ofertas de uma solução imediata que satisfaça suas necessidades e sempre
vinculando tais ofertas a um “pagamento” financeiro. Não é à toa, portanto, que
essas instituições eclesiásticas apresentem um crescimento vertiginoso no
número de adeptos e que, na ânsia por alcançar uma clientela cada vez maior,
invistam muito dinheiro para ter mais espaço na mídia televisiva, uma vez que a
visibilidade midiática permite uma exposição ainda maior dos produtos
oferecidos e atinge um mercado consumidor muito mais abrangente.
De acordo com Peter Berger, quando as pessoas consideram
esse discurso religioso impregnado de interesses mercadológicos como a verdade
absoluta, refutando qualquer outro discurso que dela divirja, isso demonstra
que elas passaram pelo processo de alienação. Justamente por conta desse
processo de alienação, acabaram se tornando mais vulneráveis ao poder de
dominação dos muitos líderes religiosos mal intencionados, sendo induzidos até
a fazer empréstimos bancários para que, por meio das campanhas e dos propósitos
constantes, possam ter acesso às bênçãos de Deus. Assim, dominadas por essa
ideologia perversa, inúmeras são as pessoas que não medem esforços para
participar dos propósitos financeiros, apesar da continuidade das muitas
mazelas sociais com as quais convivem diariamente, e sequer questionam o fato
de seus líderes religiosos construírem um verdadeiro império enquanto muitos
dos que se amontoam nos templos mal conseguem pagar as próprias contas.
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