terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Bahia, Bahia, que lugar é esse?

Por Jurgen Souza

Em meio ao tormento que a população baiana, destacadamente os moradores de Salvador, tem vivido por conta da greve da Polícia Militar, é preciso que tenhamos a sensatez de fazer uma reflexão séria e sem partidarismos para compreendermos, de fato, os elementos que estão envolvidos nessa batalha entre os grevistas e o governo do Estado da Bahia. É inegável que, ainda que as pautas reivindicatórias sejam justas, uma mobilização de repercussões nacionais e internacionais como essa não parece estar firmada tão-somente no interesse da categoria em conseguir melhorias salariais ou mesmo de trabalho. Basta uma pequena pausa para revirar o baú da história recente da política baiana e brasileira para se verificar o sórdido jogo de interesses que salta lampejante para o primeiro plano do conflito. Retrocedamos há pouco mais de uma década e compreendamos os fatos.
No começo dos anos 2000, o grupo reunido em torno do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL – atual DEM) detinha o poder político e exercia forte influência no judiciário e nos tribunais de contas do estado, enquanto a oposição era composta por alguns políticos do PT, PSB e PCdoB. O país vivia uma crise ética que envolvia os senadores Antônio Carlos Magalhães, cacique da política baiana, e José Roberto Arruda (PSDB), acusados de violar o painel do senado para manipular o resultado das votações no plenário, motivo pelo qual, no dia 16 de maio de 2001, milhares de estudantes universitários e secundaristas de Salvador, além de vários líderes de oposição à política carlista na Bahia (incluindo o então deputado federal Jaques Wagner, do PT), saíram às ruas protestando contra a corrupção e pedindo a cassação dos acusados. Ainda que a manifestação transcorresse pacificamente, o governador César Borges (PFL – atual DEM) deu ordem à tropa de choque da polícia militar para reprimir os manifestantes violentamente (com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha), chegando ao ponto de invadir a faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, violando uma área federal. Pontapé inicial para a derrocada da política carlista no estado, essa manifestação parecia anunciar uma mudança nos rumos políticos da Bahia, mas contraditoriamente o atual vice-governador, Otto Alencar, é o mesmo que, junto com César Borges, ordenou a ação truculenta contra os estudantes e, pior que isso, o coronel Alfredo Castro, que comandou a tropa de choque naquela ocasião, é hoje o comandante-geral da PM.
Ainda em 2001, no mês de julho, os policiais militares da Bahia, contando com o apoio de diversos políticos da oposição, deram início a uma greve que, mesmo não tendo gerado um aumento tão grande no número de homicídios, trouxe aos baianos o pânico dos arrastões e a sensação de insegurança nas ruas. Um dos principais nomes do movimento grevista era o soldado Marco Prisco, o mesmo que hoje lidera o grupo de policiais que ocupou a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, o qual revelara que, naquela época, o então deputado federal Jaques Wagner e outras lideranças do PT declararam pleno apoio à greve, chegando a fazer, segundo afirmou Prisco, uma doação de mais de R$ 3 mil ao movimento grevista, além da disponibilização de veículos. Por conta da sua atuação na greve de 2001 e pela tentativa de aquartelamento na sede do 8º BPM/São Joaquim, o soldado Marco Prisco foi exonerado em 9 de janeiro de 2002 e, desde então, tem feito uma intensa campanha junto a outros membros da categoria para a sua readmissão, tomando por base a Lei Federal nº 12.191/2010 (a Lei de Anistia), ignorada solenemente pelo governo do Estado da Bahia. De acordo com Prisco, que hoje é presidente da Associação dos Policiais e Bombeiros do Estado da Bahia (Aspra-BA), Jaques Wagner, que outrora apoiara os policiais grevistas, é um traidor, mas o atual governador do Estado da Bahia, desmentindo as acusações do principal líder da greve de 2012, nega veementemente que tenha financiado ou sequer dado apoio logístico ao movimento grevista de 2001.  
Não deixemos, porém, que a poeira levantada com esses fatos revirados no baú da história nos impeça de enxergar as coisas como realmente são e acabemos por eleger, como é de costume em situações como essa, o ex-soldado Marco Prisco como um mártir do movimento grevista. Antes de qualquer conclusão precipitada, é importante rememorar a trajetória de Prisco desde a exoneração da PM até sua ascensão ao cargo de presidente da Aspra-BA. Aproveitando a visibilidade que havia conquistado e prometendo lutar por melhorias para os policiais, ele foi candidato a deputado estadual pelo PTC (Partido Trabalhista Cristão), em 2010, mas não conseguiu se eleger. Manteve-se na política através do MPL (Movimento Polícia Legal) e acabou assumindo, naquele mesmo ano, a presidência da Aspra-BA, mesmo estando afastado do quadro da PM. Atualmente filiado ao PSDB, o ex-soldado Marco Prisco participou de movimentos grevistas também no Maranhão e em Roraima, onde chegou a ser acusado de falsidade ideológica por ter se apresentado publicamente como “deputado estadual baiano”. Com um histórico desse seria possível, minimamente, questionar se Prisco milita coletivamente ou em causa própria, já que talvez não seja por acaso que a anistia para os policiais que participaram da greve (desta e daquela de 2001) esteja entre as principais pautas reivindicatórias. Não seria absurdo, ainda, indagar se as motivações de Prisco seriam meramente partidárias, uma vez que, agora, ele e o governador Jaques Wagner estão em lados opostos no jogo político.
Para se compreender, portanto, o cenário em que se desenhou a atual greve da PM, é necessário revirar alguns fatos do passado em busca de revelações. As contradições políticas do atual governo apontam para o fato de que, mesmo com o enfraquecimento da política carlista no estado, os partidos que antes militavam na oposição ainda não podem dizer que já aprenderam a caminhar coerentemente como governo e, à medida que se contradizem em suas ações, fortalecem os que hoje se lhe opõem. Não se pode negar, porém, que muitos dos que contribuíram para a chegada ao poder dos partidos que antes eram oposição se viram traídos por não conseguirem usar a máquina administrativa em benefício próprio, criando, assim, um forte clima de tensão e animosidade entre os que outrora foram aliados.   

Um comentário:

  1. Concordo em gênero, número e grau. Acrescento apenas o fato de que, naquela época, os saques e a depredação do patrimônio ocorreram por falta de policiamento. No atual momento, os saques já fizeram parte da mobilização deles (grupo miliciano). Mostraram um salário com valor líquido de 1.873,00 (realmente baixo). No entanto, o professor, que ganha bem menos no Estado, jamais sequestrou alguém, fez greve armada, colocou crianças em risco de morte, incendiou ônibus e - mesmo assim - sempre foi espancada por essa mesma polícia que agora quer o apoio. Age como grevista, é grevista. Age como bandido, é bandido.

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